sexta-feira, 30 de outubro de 2009

COMÉRCIO LOCAL DE ALIMENTOS PERMANECE SEM AUMENTO NO CONSUMO

Texto e fotos: Fabrício Miguez

A mudança vai ser grande. Os números são maiores ainda. As obras no Complexo da Lagoinha e em toda a Linha Verde representam a maior mudança viária já vista em toda a história da capital mineira. O investimento vai ser de R$250 milhões. Deste total, 76% dos recursos serão destinados pelo governo estadual e os R$60 milhões restantes virão da Prefeitura de Belo Horizonte, que realizará a intervenção por meio da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap).

O valor gasto na obra foi dividido em duas etapas: R$111 milhões para a desapropriação de 240 famílias e os outros R$139 milhões foram investidos em infraestrutura. A previsão de conclusão da obra é para março de 2010 e já foram gerados mais de 4.700 empregos diretos e indiretos. Apesar da demolição dos imóveis no entorno da avenida Antônio Carlos para duplicar a largura atual da pista, o governo de Minas Gerais também está preocupado com a preservação da natureza. Cerca de 1.500 árvores serão plantadas em todo o percurso da Linha Verde, fazendo jus ao nome do empreendimento.


Vários moradores já sentiram a diferença, seja na estrutura física da obra ou no redirecionamento do trânsito local. Mas, para muitos que trabalham na região, a mudança não foi percebida. É o caso dos vendedores ambulantes de alimentos. Isa Mendes trabalha há dez anos em frente à unidade Diamantina do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH) e não tem o que reclamar. “A clientela é boa, nunca faltou gente para comer aqui”. Ela sempre vendeu minipizzas e sanduíches naturais, mas este ano resolveu diversificar o negócio. Agora, Isa oferece também salgados assados, como empada, pão de queijo e coxinha. Mas as obras no Complexo da Lagoinha não fizeram diferença para ela. O consumo mensal ficou na média, já que nem todos os funcionários das empreiteiras vão até o seu carrinho para se alimentarem. “As construtoras oferecem café da manhã, almoço, café da tarde e jantar para os trabalhadores no próprio refeitório da obra. Com isso, eles não comem por aqui. De vez em quando, alguém passa e compra um salgado, mas é raro”.

Glaysson Ferreira é vigilante da empresa Minas Segur, que presta serviço de segurança durante o período das obras. O funcionário trabalha 12 horas por dia e chega ao serviço já no período da noite. Embora não receba a refeição na empresa por ser terceirizada, Glaysson não utiliza o comércio ambulante de alimentação. “Todos os dias, antes de vir para o trabalho, faço uma refeição em casa. Por isso, não lancho na rua”. O vigilante comenta que até desconhecia o serviço prestado pelos vendedores. “Nem sabia que existia esse tipo de comércio na porta da faculdade”, acrescenta.


Há um ano, Juaci de Souza, juntamente com a esposa e a filha, atendia os clientes na própria residência, na rua Francisco Soucasseaux, 249, ao lado da unidade Diamantina do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH). Com as obras no Complexo da Lagoinha, a família, que morava de aluguel, teve de ser removida e o imóvel foi demolido. Para não perder a clientela, Juaci comprou um carro e o equipou para servir de lanchonete, estacionando o veículo na mesma rua onde morava, em frente à faculdade, das 16h às 22h30. Assim com Isa, ele enfatiza que consumo não aumentou devido à obra. “Quem está trabalhando recebe a própria alimentação. Para que gastar se eles têm lanche de graça?”

No cardápio do comerciante, o item mais barato é o pastel, vendido a R$1. Segundo ele, a clientela procura o que é mais em conta. “Também vendo tropeiro a R$3 e espaguete a R$2,5, ambos com um copo de refrigerante incluso no preço. Mas o povo quer mesmo é economizar”. Com a saída da antiga casa, Juaci pensou até em diversificar o local de atendimento e colocar o carrinho na rua Diamantina, onde há mais movimentação dos estudantes, mas percebeu que a mudança traria dificuldades. “A rua é muito estreita e eu atrapalharia o trânsito. Resolvi ficar no mesmo lugar. Quero ser fiel aos meus clientes”.


quarta-feira, 28 de outubro de 2009

MOTORISTAS E PEDESTRES DISPUTAM ESPAÇO NA ANTÔNIO CARLOS

As obras na avenida têm gerado reclamações da população que impacientemente desobedece muitas regras de trânsito

Reportagem: Edgar Abreu


Os congestionamentos já eram rotineiros em toda a avenida Presidente Antônio Carlos, antes do início da segunda fase de duplicação da via que começou em janeiro deste ano. O viaduto Hansen Araújo, mais conhecido como Elevado da Lagoinha, fica praticamente parado nos horários de pico tanto para quem trafega no sentido bairro quanto para os motoristas que seguem no sentido centro. De acordo com a BHTrans, mais de três mil veículos circulam, por hora, no sentido centro, entre 5h30 e 8h. O pico no sentido bairro acontece no fim da tarde e no início da noite, entre 17h30 e 19h30, com fluxo semelhante ao da manhã.

Pela Antônio Carlos circulam 85 mil veículos por dia. São 700 operários trabalhando na obra, que envolve muitas máquinas. O visual é confuso para quem trafega pelo local e, enquanto a nova avenida não fica pronta, são muitas as queixas. Praticamente todas as ruas da região estão interditadas e os pontos de ônibus foram transferidos para outros locais na via.

Segundo a BHTrans, as paradas de ônibus foram retiradas dos espaços originais e foram instaladas a cada 150 metros. A doméstica Kelme Maria de Souza caminhava, no trecho entre a Antônio Carlos e a rua Manoel Macedo, com o filho de oito meses no colo desviando dos buracos e prestando atenção na movimentação constante dos veículos. “Eu fico com medo, tenho que andar na rua junto com os carros porque aqui não tem passeio e nem espaço só para pedestres”, afirma.

Os motoristas afirmam que há falta de sinalização e confusão nos acessos para as ruas dos bairros próximos. O estudante Lucas Soares mora no Barreiro e encontrou dificuldades para chegar na rua Itapecerica, na Lagoinha. O caminho que ele costumava fazer para chegar lá, não existe mais. “Antes das obras, pela rua Rio Novo era fácil acessar a Itapecerica. Agora é preciso pegar um desvio longo pelo Conjunto IAPI. Quem não mora por aqui fica perdido”, conta.

O especialista em trânsito Frederico Rodrigues diz que muitos condutores não estão entendendo a sinalização indicativa e é dever do órgão de trânsito amenizar os impactos das intervenções momentâneas. “Os condutores só são avisados da existência dos desvios quando chegam nele, o ideal são três informações prévias indicando a alteração de circulação”, afirma.

Quem caminha na avenida também reclama. Os locais para trânsito de pedestres terminam nos pontos de ônibus, o que provoca transtornos para quem precisar ir, por exemplo, passando pela Antônio Carlos, a um estabelecimento comercial na região. A dona de casa Leda Martins tentava chegar, pelo acesso de pedestres, até a Igreja Batista da Lagoinha. Ela teve que voltar e procurar outro caminho. “Não dá para arriscar passar entre tantos ônibus e carros, é um absurdo o pedestre ficar tão prejudicado assim”.

A BHTrans informa que os pedestres que precisam circular pela região devem prestar atenção aos desvios porque toda área em obra está isolada com tapumes. Segundo a assessoria, são dois os principais desvios: pelo Conjunto IAPI – através da Praça São Cristóvão - e pela rua Manoel Macedo – acessando pela avenida Antônio Carlos.

Segundo a assessoria do órgão, os desvios são indicados por faixas de pano e sinalização de obra foi feita para orientar e garantir maior segurança aos passageiros, pedestres e condutores. “A empresa alerta para a importância de os motoristas redobrarem a atenção à sinalização implantada. Agentes da Unidade Integrada de Trânsito estão monitorando todo o tráfego na região”, explica.

Atualmente, a avenida tem, no trecho em obras, apenas uma pista, por sentido, com duas faixas de rolamento cada uma. Com a ampliação, após o término das obras, passará a ter quatro faixas por pista, além de uma terceira pista com duas faixas exclusivas para o fluxo de ônibus. Segundo a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), também está prevista a construção de sete novos viadutos para facilitar especialmente o acesso aos bairros adjacentes. “Essas modificações vão ajudar a facilitar o fluxo de veículos no local durante todo o dia. Toda obra gera transtornos, mas os benefícios posteriores são muitos”, esclarece a Assessoria de Comunicação da Setop.

Mas, parece que motoristas não estão tendo paciência para esperar. A reportagem flagrou um festival de infrações na Antônio Carlos. Sinal vermelho é sinal de parada obrigatória. Essa é a regra de trânsito mais básica e a mais desrespeitada pelos condutores. Carros, motos e ônibus furam o semáforo e ajudam a tumultuar o tráfego. O sinal estava aberto para pedestres e a funcionária pública Cleide Elias Moreira teve que correr para não ser atropelada. “O semáforo indica que está na vez do pedestre, mas os motoristas não esperam. Eles ainda vão acabar matando alguém aqui”, reclama.

As vans escolares que fazem o transporte de universitários para as faculdades da região retiram faixas e obstáculos de interdição de um retorno temporariamente desativado na altura da Antônio Carlos com a rua Rio Novo. Mesmo a existência de uma câmera do programa Olho Vivo, instalada no local, não impede a irresponsabilidade dos que tentam encurtar caminho. O motorista Alexandre Araújo afirma que quando não utiliza o retorno demora 15 minutos a mais para chegar ao centro. “O trânsito no horário do fim das aulas está bem congestionado, pegando esse retorno, que antes das obras era permitido, facilita a minha vida. Todos os alunos que eu carrego querem chegar cedo em casa”.

Desde o dia 11 de outubro, caminhões e carretas com mais de 4,6 metros estão proibidos de circular na área em obras da avenida. A proibição é devido à instalação de estacas de ferro que dão sustentação às construções dos viadutos e têm o limite de 4,60 metros.

De acordo com o diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG), José Elcio Santos Monteze, a restrição é temporária, somente enquanto durarem as obras, porque, depois de prontos, esses viadutos permitirão a passagem de veículos com altura até cinco metros. "Por enquanto esses veículos deveram buscar rotas alternativas”, reiterou.

A restrição na circulação desses veículos altos é outra regra que não está sendo respeitada. A reportagem flagrou vários caminhões, com mais de 4,6 metros, descarregando produtos nas proximidades do Conjunto IAPI e depois descendo a avenida Antônio Carlos, no sentido centro.

Segundo a BHTrans, todas essas infrações são passíveis de multas. O órgão alerta os motoristas infratores que agentes estão monitorando o trânsito no local e aplicando multas. Ainda segundo o órgão, a Antônio Carlos foi a terceira via de Belo Horizonte com o maior número de multas aplicadas no primeiro semestre deste ano. Foram registradas 12.630 infrações no local, número inferior somente ao das avenidas Contorno e Cristiano Machado. Em toda a cidade, foram 130.038 multas entre janeiro e junho.

A expectativa dos moradores e comerciantes da Lagoinha é que o trânsito melhore, os imóveis sejam valorizados e haja maior segurança. A estudante Vanessa Queiroz mora na rua Manoel Macedo, em um dos poucos edifícios que não foram demolidos pelas obras. Ela afirma que as autoridades devem ficar atentas e buscar resolver também os problemas de segurança da região. “Nós moradores da Lagoinha sofremos com a violência dos moradores de rua, que se drogam, assaltam e incomodam todos na região. A população quer a melhora no trânsito, mas também quer mais iluminação e segurança em nossas ruas. De que adianta uma avenida bonita, se os moradores têm medo de sair de casa a noite?”.

OS NÚMEROS DA OBRA
Valor de investimento total: R$ 250 milhões, sendo:
- Governo de Minas: R$ 190 milhões (76%)
- Prefeitura de Belo Horizonte: R$ 60 milhões (24%)
- Valor investido em infraestrutura: R$ 139 milhões (55,6%)
- Valor investido em desapropriações: R$ 111 milhões (44,4%)
- Viadutos a serem edificados: 7
- Imóveis desapropriados: 240
- Número de empregos diretos e indiretos: 4.700
- Previsão de conclusão das obras: março de 2010
- Largura atual das pistas: 25 metros
- Largura prevista após a conclusão da obra: 52 metros
- Número de árvores a serem plantadas: 1500
- Número de faixas de tráfego em cada sentido (pós duplicação): 4- Número de faixas em cada sentido na busway (pós duplicação): 2

Os hábitos que não se justificam








Felipe Chimicatti
Tarsila Costa



O corpo humano suporta faixas entre 80 e 85 decibéis. Acima disso, cinco pontos que sejam, já é o suficiente para dobrar a pressão sobre os tímpanos. Estima-se, ainda, que um engarrafamento rigoroso no horário de pico atinja facilmente 90 db. Pensando, no entanto, para além de um engarrafamento rigoroso, mas sim nele somado a uma obra na proporção de um investimento de R$ 250 milhões avultado a uma geração de emprego na ordem de 4. 700 cargos diretos e indiretos, os decibéis sem dúvida aumentarão bastante.

Imagine a parir desses dados a proporção do maquinário da empreitada que, além de provocar homéricos engarrafamentos, ainda preserva a estrutura maquinística operante durante todo o dia, incluindo parte da noite. Para os operários é sem dúvida uma oportunidade de trabalho ligada a insalubre condição do trabalho braçal no Brasil. A geração de emprego é sim fundamental, mas infelizmente abarca somente os necessitados que esmeram suas vidas por empregos forçosos e desgastantes.

A necessidade de uma obra dessa envergadura, de acordo com a Secretária de Transporte de Minas Gerias, é um aumento da capacidade do fluxo de veículos no trecho da Avenida Antônio Carlos, no bairro da Lagoinha. Serão, ainda segundo a própria Secretária, edificados sete viadutos, dobrada a largura da pista de 25 metros para 52, serão implantadas 1.500 árvores, desapropriados 240 imóveis (totalizando quase metade dos gastos da obra em desapropriações: R$ 111 milhões) e serão implantas seis pistas, ao invés das três que hoje vigoram. Consta também que o fluxo de veículos diários na avenida atingirá o número de 85 mil. Tudo isso nos 2,2 quilômetros propostos no projeto da faraônica obra do Governo do Estado em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte.

É sem dúvida uma obra necessária, pois, quem vive em Belo Horizonte hoje sabe da necessidade de se dinamizar o trânsito. Os engarrafamentos são constantes na cidade, sobretudo nos horários específicos de pico. Agora, uma pergunta que poucas pessoas se fazem e que é de fundamental importância para entender os gastos públicos e a condição da vida em sociedade é: Por que Belo Horizonte, assim como os demais grandes centros urbanos, está sobrecarregada de automóveis? A resposta logicamente é multifatorial, mas, como se sabe, no país da desigualdade social, o carro é um elemento fundamental de distinção social. Ter um carro extrapola para muito longe a sua atribuição funcional de deslocamento. Motivo que aponta para isso são a quantidade onerosa de acessórios que vêm atrelados aos carros hoje, muitas vezes acessórios estes que sequer são usados. Ou, outro indicativo, a quantidade exorbitante de lojas destinadas a acessórios automotivos, tais quais películas proibidas pela legislação automotiva, sons com amplitudes sonoras abusivamente agressivas ao corpo ou luzes que brilham insistentemente pela noite, querendo ser vistas. Paulo Vidal, 23 anos, admite gostar dos carros e de suas particularidades: “A importância de um carro pra mim é muito maior do que a necessidade de se deslocar; uso ele para várias outras coisas, inclusive para conseguir bons empregos e belas namoradas”, pontua. Lucia Valadares, 19, diz ser fascinada por homens que tem automóveis de luxo. Para ela os carros de luxo fazem uma enorme diferença na hora de sair à noite: “o conforto hoje é essencial à vida, e quem não gosta conforto”? Quando indagada a respeito da possibilidade de sair nessa mesma noite com um carro velho que, no entanto, deslocava-se da mesma maneira, ela riu e se posicionou contrariada.

E a produção parece só aumentar

A ANFAVEA (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) registrou para Minas Gerais uma quantidade equivalente a 49.839 veículos novos licenciados em 2008, sendo eles automóveis comerciais leves: um aumento de pouco mais de 10.000 licenciamentos em um ano. Para a Federação, um aumento na ordem 100.000 entre 2007 e 2008. Ou seja, a cada ano que passa o número de licenciamentos tem aumentado. Ainda se espera para 2010 um novo recorde de licenciamentos, superando o ano de 2009. .

Inácio Santos, 48, acredita na necessidade de se ter um carro. Trata-se, para ele, de uma conquista: “Quando eu era garoto sempre sonhei em ter meu próprio carro. Hoje como tenho uma condição melhor que a do meu pai, posso proporcionar esse prazer para os meus filhos: trata-se de uma grande conquista”, explica. Inácio mora com a mulher e com os dois filhos, todos aptos a dirigir. A sua casa existem exatamente quatro veículos, um para cada morador. A relação com o automóvel é de posse, pois ele não admiti que os filhos usem seu carro: “cada um tem seu próprio carro; é uma condição em casa. Não há necessidade de troca de veículos”. Ele possui, obviamente, um carro de luxo, na medida em que os filhos possuem carros populares.

Em uma visita guiada a uma concessionária de veículos no bairro Santo Antônio, Daniel Resende Quintana, vendedor de veículos, afirmou terem os compradores querenças particulares. Na maior parte das vezes, segundo ele, o consumidor busca o status que o automóvel pode proporcionar. “As escolhas pouco tem a ver com a necessidade de se ter um carro; todos os carros daqui andam da mesma forma”, salienta.

Caso os carros fossem usados do ponto de vista funcional – deslocamento – provavelmente o número de veículos seria menor. Na casa de Inácio, por exemplo, os quatro veículos poderiam dar lugar a dois, usados em momentos de necessidade. Gastaria-se menos gasolina e menos tempo para atravessar a cidade. Evitariam-se, ainda, alguns impropérios das faraônicas obras públicas que se constitui por uma necessidade que surge de traços culturais mesquinhos.

Regina Aguiar, psicanalista, afirma que essa necessidade de auto-afirmação do eu sobre os demais esta ligada ao narcisismo corruptor de nossa sociedade. Para ele, o carro nada mais é do que uma necessidade de se afirmar frente ao outro através de um objeto. Caso as relações simbólicas inexistissem, o carro se destituiria de sua função simbólica narcisística e se tornaria, novamente, somente um objeto funcional: “O processo de alteridade em sociedade, ou seja - o exergar-se no outro - é o que motiva a valoração do carro como um objeto de consumo. Se nessa mesma sociedade existisse uma série de serviços que suprissem totalmente a necessidade de um carro, a relação com o automóvel seria outra”, coloca. Certamente, caso houvesse em Minas Gerais uma estrutura impecável de transporte público, a relação funcional com o carro mudaria. O que não justifica totalmente, pois, na Alemanha, por exemplo, o transporte público é excelente e, mesmo assim, grandes marcas automotivas advêm de lá. Existe obviamente um fascínio do ser humano pela automação, pela mecânica veicular - prova disto são as competições de fórmula um que gastam milhões de dólares por um motor que ao fim da corrida estará completamente destruído. No entanto, a questão social dos veículos no Brasil alavanca demasiadamente a suas aquisições: isso é certo.

E, enquanto as pessoas se esbaldam em comprar veículos – logicamente aqueles que possuem recursos -, os demais vão sofrendo os impactos da vida contemporânea em sociedade. Seja no elevado número de decibéis do trafego, seja nas obras faraônicas que a primeira vista parecem empreendimentos sólidos e bem estruturados, mas, ao olhar detido se mostram enquanto ninharia de uma sociedade acostumada a se supra-valorizar. E a Antônio Carlos está em obras para melhor lhe atender, acredite. É o som das obras que não deixa mentir...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ela na Obra

De sexo frágil, não tem nada

Por Luana Braga e Juliana Corrêa
Fotos: Luana Braga

Se disséssemos que ela acorda todos os dias às 06h, faz o café, apronta as crianças, despacha o marido, ajeita a casa, e depois vai para o trabalho, não acharíamos estranho. No mundo de hoje, a maioria das mulheres não só administram as atividades domésticas, como também, são funcionárias, alunas, amigas e mães. Atualmente, são mais do que antes, um ser multifuncional, dotadas de tarefas, que por opção ou não, têm que dar conta do recado, como se não tivessem alternativa. Patrícia Nadir de Miranda é um exemplo que vai contra ao paradigma descrito. Ao invés de crianças, governa um grupo de homens, e quanto às funções do lar, ela passa longe.

Casada, Patrícia têm 32 anos, é Técnica de Segurança do Trabalho da Andrade Gutierrez, empresa que atua no ramo da construção civil. Há oito anos, dedica sua vida à segurança de funcionários, e também das pessoas que passam por onde uma obra está sendo construída. Mais do que isso, Patrícia dá ordens, manda, e é respeitada. “Sou brava, muito brava. Sou firme no jeito de falar e falo grosso. Acredito que assim eles me respeitam mais.” É dessa maneira que a senhora de apenas 1,55m coordena a equipe formada por 15 colaboradores que trabalham cuidando da limpeza e sinalização na duplicação da Avenida Antônio Carlos, altura do bairro Lagoinha, localizado na região noroeste da capital mineira.

A chefe, como é chamada, diz preferir mil vezes trabalhar com homens do que com mulheres. Ela conta que, quando manda um homem fazer algo, ele faz na hora, e a mulher não; questiona, implica e acaba fazendo mal feito. “Parece que quando trabalhamos com pessoas do mesmo sexo, há competição e aqui não. O que eu falo, tá falado. Eles só me obedecem.” Patrícia não exagerou quando disse isso. Ao chegarmos para iniciarmos a conversa, ela estava no rádio xingando, e depois, continuou chamando à atenção dos funcionários perto de nós. E por incrível que pareça, todos a ouviram, se justificaram e fizeram, na hora, o que ela mandou. A mulher é dura no modo de agir, e não pensem que eles não gostem, pelo contrário, a maioria assume preferir ter uma mulher no comando.

Weslen Ramos foi contratado há dois meses para fazer parte da equipe chefiada por Patrícia. Na obra, ele tem como obrigação manter a limpeza e sinalizar as passagens para os pedestres. O rapaz é um dos que admiram a postura dela. “Ela é muito profissional. Você sabe como é homem, se não ficar no pé, a gente enrola,” afirma. Já o trabalhador David dos Santos, de apenas 19 anos, destaca que mesmo xingando, prefere tê-la dando ordens. Outra testemunha é o Sr. Dílson, homem tímido, simples, que trabalha como sinaleiro. “Tudo que ela manda, tem que fazer na hora, e aí se não fizer”, revela o operário. Um fato interessante é que nenhum dos profissionais fala mal da líder, mesmo ela não estando por perto.

Patrícia explica que, para eles, é menos humilhante ouvir um grito feminino, a um alto e grosso xingo masculino. “Quando um homem chefe grita e manda fazer algo, eles podem achar que isso é um desaforo e podem até provocar uma confusão.” Ela ainda diz que, quando chama à atenção, eles mesmos já justificam a sua postura. “Quando eu grito com alguém e mando fazer algo rápido, os homens, entre eles, falam para o que recebeu a bronca: Deixa isso pra lá, ela é mulher e deve tá naqueles dias. Daí morre o assunto e depois fica tudo bem," explica.

A líder conta que quando percebe que um de seus funcionários é responsável e dedicado, ela o incentiva a estudar, ajuda no que for possível, e ainda, arruma uma “peixada” para que seu subordinado cresça na profissão desejada. “Faço isso com o Gustavo porque percebo que ele tem perfil de líder. Se ele tivesse um chefe homem, com certeza ele não o ajudaria. Parece que existe competição entre funcionários do mesmo sexo”, diz. Gustavo afirma que Patrícia realmente o ajuda e que é muito grato por isso.

No modo de se vestir, não apresenta nenhuma feminilidade. Usa calça jeans, camisa de manga comprida, botas, óculos escuros e capacete. É claro que, para trabalhar em obras essa seja a melhor vestimenta, mas acessórios como brincos, pulseira, gargantilha, anel, que geralmente são usados pelas mulheres, independentemente do que façam, ela não usa nada, e para isso, também tem uma explicação. “Uso essas roupas para não dar direito de me olharem como uma mulher que chama a atenção.” Patrícia acredita que desse modo, os homens jamais teriam coragem de assediá-la, e desse jeito, ela impõe mais respeito.

Essa postura de durona, ela afirma que não é só no ambiente de trabalho. Casada há pouco mais de cinco anos, Patrícia revela tratar na linha o seu marido e confessa que o papel de dona de casa é ele quem faz. “O meu marido só não passa roupa. É ele quem lava, cozinha e arruma a casa. Ele Também tem que ser né? Ele só trabalha oito horas!” Considera a jornada do marido pouca em comparação à sua. Diz chegar às 07h ao trabalho e ir embora por volta das 20h, ou seja, um total de 13 horas diárias debaixo de sol, chuva e calor. Apesar das longas e árduas horas trabalhadas, a chefe assume amar o que faz. Ela conta que, como Técnica de Segurança, poderia trabalhar em hospitais, que segundo a mesma é mais tranquilo. Mas prefere obras, pois além de gostar, o salário é mais compensador.

Apesar de ser uma figura enérgica, Patrícia demonstra ser uma mulher comum, que também possui sonhos e faz planos. Recentemente comprou uma casa e um carro. Para o ano que vem, está pensando em ter um filho, mas até nisso ela deixa bem claro que, como não tem tempo, já olhou uma creche, inclusive o horário. “O bebê poderá ficar de 07h às 18h.” conta sorrindo.

Investimentos na Antônio Carlos

O alargamento da Avenida Presidente Antônio Carlos, que foi dividida em três etapas, está na última fase e, segundo previsões do governo, será encerrada em março do ano de 2010. A duplicação da avenida, considerada uma das maiores da capital mineira, custou para os cofres públicos cerca de 250 milhões de reais, sendo 76% investimento feito pelo Governo de Minas e 24% pela Prefeitura de Belo Horizonte.

Segundo a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas, esta é uma das maiores obras realizadas na região e favorecerá toda a população. A Avenida Antônio Carlos, que será uma via de acesso rápido, juntamente com a linha verde, obra concluída ano passado, facilitará o trânsito para as pessoas que frequentam os dois principais aeroportos da região.

Estão sendo construídas duas pistas centrais para uso exclusivo de transportes coletivos e táxis, que contribuirá o tráfego de 85 mil veículos que circulam diariamente pela área. Devido a retiradas de algumas árvores da avenida, que estavam no trajeto das pistas, serão plantadas 1.500 mudas entre os 2,2 km de construção.

As empresas Andrade Gutierrez e Barbosa Melo, responsáveis por toda a obra, contam com o empenho de 4.700 pessoas, que trabalha ininterruptamente dia e noite, para construírem trincheiras, viadutos e passarelas. Além de favorecer o tráfego entre o centro e a zona norte da capital, a avenida é o principal corredor de acesso a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Mineirão, que será sede dos jogos da Copa do Mundo de 2014. Também, um dos acessos para o novo Palácio do Governo que está sendo construído na região norte de Belo Horizonte.

A Lagoinha em tempos modernos


A obra da Antônio Carlos traz a Lagoinha a modernidade e facilidades





Ednéia Fátima Cunha
Luciana Melo


Considerado o primeiro bairro boêmio de Belo Horizonte, desde 1936, quando o atual prefeito Otacílio Negrão de Lima abriu o trecho da Avenida Presidente Antônio Carlos, a Lagoinha faz parte da própria história da capital mineira.
Nos primórdios da década de 40, o bairro se destacou como o segundo centro de comércio de Belo Horizonte. Entre os bondes que circulavam naquela época, existia o comércio dos italianos, portugueses e espanhóis que imigraram para a região. Poucas pessoas sabem, mas o bairro ganhou o nome de Lagoinha devido à lagoa que existia na confluência entre a av. Presidente Antônio Carlos e a rua Formiga.
Neste período, a Lagoinha era um bairro de classe média. Frequentado por dançarinos, seresteiros, gente agitada pela explosão do comércio que cada vez mais mudava o cotidiano do bairro e se consolidava com a abertura de pensões e bares.
O Mercado da Lagoinha continua existindo ate hoje, porém sem a mesma agitação de antigamente. Algumas famílias de colonizadores continuam morando em seus casebres. Contudo, o bairro modificou sua rotina por causa da duplicação da Antônio Carlos.

Com a aproximação da Copa do Mundo de Futebol em 2014, a escolha de Belo Horizonte como uma das sedes dos jogos fez com que o governo do Estado e a Prefeitura de Belo Horizonte viabilizassem o acesso do centro da cidade ao Mineirão e ao aeroporto de Confins. Para tanto, existia a necessidade de melhorias nos corredores de acesso entre as avenidas Antônio Carlos e Cristiano Machado. Desde então, a duplicação da avenida gerou transformações no bairro mais boêmio da cidade e em todos os pontos e bairros da Antônio Carlos.

A segunda etapa da duplicação das obras da Antônio Carlos teve investimentos de R$ 250 milhões e garantiu 4.700 empregos diretos e indiretos, contribuindo para a economia do Estado.






Bem no início da avenida, a obra se mistura com a arte. Em determinada esquina, um sobrado de três andares em mau estado de conservação abriga uma galeria de arte com quadros, pinturas rústicas, placas com nomes de ruas, faixas, ferros velhos e sucatas. O que chama mais a atenção de quem passa por lá é que, no segundo andar do prédio, existem cinco cachorros que vigiam o estabelecimento.







O proprietário Nelson Soares relata que trabalha e reside no prédio que fica na av. Antônio Carlos, n° 181. Sua loja presta serviços para a comunidade com suas pinturas de quadros e placas automotivas. Para Nelson, é uma área bastante perigosa e, diante do descaso das autoridades em relação ao bairro, seu negócio vai de mal a pior. Seu maior problema são os ferros velhos existentes na região, principalmente o que existe em cima do seu estabelecimento. Segundo Nelson, se continuar do jeito que está, a Lagoinha vai acabar, pois ela já não é mais a mesma, por causa do aumento de assaltos e o constante tráfico de drogas. Ele diz que, quando alguém liga procurando seus serviços e informa o endereço, o cliente desiste, pois tem medo do que pode encontrar. O comerciante ainda é otimista e espera que, com a duplicação da avenida, possa trazer seus clientes de volta, já que o bairro fica perto do centro da cidade.

Nelson argumenta que tem um sócio e que às vezes eles não vendem nada e o pouco que têm, eles são obrigados a dividir com as pessoas que, constantemente, estão pedindo ajuda. Para ele, a Lagoinha virou um bairro de mendigos, ladrões e usuários de drogas. “À noite, após as 21h00, parece uma guerra de cão e gato”, desabafa.
.
A obra na avenida fez com que seu comércio fosse prejudicado em 90%. “Quase 100% de prejuízo. É que, muitas vezes, não vende absolutamente nada”, lamenta.

A prefeitura e o governo de Minas, parceiros na duplicação da segunda etapa da avenida, esperam concluir as desapropriações necessárias, a previsão é de que, todos os imóveis sejam postos no chão, abrindo caminho para o alargamento das pistas. Por ora, o cenário é de bombardeio: do Complexo da Lagoinha à rua dos Operários, no Bairro Aparecida, as laterais do corredor de trânsito estão cobertas de entulho e construções vazias, todas com os dias contados. Aos comerciantes, restou apenas fazer as malas.

A incerteza sobre as desapropriações dos estabelecimentos trouxe aos comerciantes cada vez mais dor de cabeça, porque os clientes deixaram de consumir suas mercadorias e serviços.



Ao lado do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), havia uma antiga casa onde funcionava a Copiadora Dois Irmãos. Por causa da desapropriação, o estabelecimento teve que se mudar para o outro lado da avenida, no nº 457. Os proprietários da loja, Altair e Edson Brasil, dizem que, com a obra, o movimento na loja diminuiu bastante, porque os estudantes deixaram de solicitar seus serviços. Para ele, o principal motivo disso tudo é dificuldade que agora existe em atravessar a avenida. “Além disso, não temos garantias de que, neste nosso novo endereço, estaremos livre do fantasma da desapropriação”, afirma.





Logo ao lado da copiadora, no nº 455-A, funciona o estabelecimento Saint Tropez. Nesta casa de massagens, o gerente Patrick, de origem francesa, relatou que, com a obra, os clientes que vinham se divertir sumiram.
Segundo o gerente, a clientela era composta principalmente por homens casados, com idade entre 40 e 60 anos, empresários que frequentavam o local. Patrick relata que a obra atrapalhou muito e que, o prejuízo foi de dois mil reais ao mês .Pôr causa do transito caótico, os frequentadores da casa estão procurando outros lugares que ficam no centro da cidade. Nesse momento, de acordo com o francês, o único remédio a fazer é ter paciência. “Creio que, depois de tudo pronto, vai ser melhor, a iluminação chamará mais atenção, já que a casa está aqui há onze anos, funcionando de 14h00 ás 22h00, com muitas garotas bonitas.” Patrick diz ainda que está fazendo anúncios nos jornais toda semana, a fim de recuperar o prejuízo. A esperança do francês é que a nova Antônio Carlos traga de volta a antiga Lagoinha dos tempos boêmios.




Por outro lado, a boêmia, com certeza, não volta mais. Porém, surge em seu lugar o progresso que a revitalização vai trazer. A avenida Antônio Carlos de outrora deu lugar à engenharia contemporânea, com vias de acesso duplo, viadutos e passarelas que trarão mais luminosidade ao lugar. As alterações feitas em torno da obra trazem também transformações que a modernidade deixará no tempo.

Para alguns moradores, a obra deixa saudades daquilo que eles construíram: suas antigas casas, vizinhos, amigos e o comércio que lhes rendia a sobrevivência. Esta mesma sobrevivência é comemorada de forma diferente pelos homens que trabalham na obra. Estes operários vindos de diferentes lugares em busca de trabalho abandonaram suas casas para demolir as casas daqueles que simplesmente não tiverem opção.
A avenida Antônio Carlos de hoje é a imagem da união dos governantes. Mas o que pensam aqueles que vivem da avenida e que moram nela? Será que os governantes pensaram que tais pessoas não têm mais as marquises para se esconder do frio e da chuva. Para onde irão essas pessoas nômades que habitavam as margens da Antônio Carlos?

Certamente que não se pensou nesses moradores de rua quando foi feito o planejamento para a Copa do Mundo. A visão é clara: tais pessoas serão cada vez mais nômades escondidos em tocas deixadas pela obra e buscando sua sobrevivência através de assaltos que praticam durante a noite.
Mas esta é apenas uma visão da Antônio Carlos de hoje. Uma construção para um futuro incerto.





domingo, 25 de outubro de 2009

LAGOINHA DE MEMÓRIA É TRANSFIGURADA PELO PROGRESSO

A região que abriga uma importante parte da memória de Belo Horizonte dá lugar ao moderno projeto de duplicação da Avenida Antônio Carlos.



Texto e fotos Larissa Ferreira


A costureira Alda Gonçalves, 80 anos, lembra o dia em que se mudou para o Bairro Lagoinha há cinquenta anos com o marido José da Silva e os filhos Laura, de dois anos e Pedro, de quatro meses. “Nós viemos do interior de Minas com objetivo de melhorar de vida. Meu marido era marceneiro e o bairro nos agradou por ser próximo ao centro da cidade”. Alda conta que no início sofreu muito até se adaptar a cidade grande, e ressalta que as amizades que conquistou no bairro foram essenciais. “Aqui fiz amigos de verdade, os vizinhos eram hospitaleiros e sempre me estenderam a mão quando precisei, conheci muita gentee. Lembro da primeira vez que fui a um cinema, dia inesquecível. Depois, passei a ir sempre com meu marido José, as sessões de domingo no cine São Geraldo. A região era próspera, a Rua Itapecerica era movimentada e havia muitas casas comerciais, a Feira dos Produtores era disputadíssima. O bairro fervia de dia e à noite, e ainda alimentava a boemia da cidade. Os botequins próximos a Praça Vaz de Mello estavam sempre cheios e eram reduto de seresteiros, cantores e dançarinos. Nas famosas rodas de samba da Lagoinha saíram grandes sambas e grandes sambistas, alguns contam que até Noel Rosa veio conhecer o bairro”, ressalta a moradora.

Com o passar do tempo o cenário mudou e parte das residências e comércios da Praça Vaz de Mello deram lugar a viadutos, avenidas e ao metrô da cidade. A marginalidade tomou conta da região, e a violência aumentou com a chegada do tráfico. Apesar das mudanças dona Alda confessa que ama o bairro Lagoinha, e que entrou em depressão profunda depois que recebeu a notícia que teria de sair de sua casa para dar lugar ao alargamento da Avenida Antonio Carlos. “Fui parar até no hospital, o que estão fazendo com a gente é um absurdo, estão querendo dar fim no bairro” protesta Alda.

A costureira não é a única que terá de deixar sua casa, de acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital, Sudecap, mais de 240 imóveis serão desapropriados para execução da ampliação da Avenida Antônio Carlos. Cerca de 250 milhões foram investidos na obra, que é fruto da parceria entre o Governo do Estado de Minas Gerais e da Prefeitura de Belo Horizonte. As obras de duplicação tiveram início em janeiro deste ano, e de acordo com o governo do Estado, tem previsão de conclusão em março de 2010. A obra pretende melhorar o deslocamento da população da região Norte de Belo Horizonte, melhorar as ligações entre os bairros do entorno, criar um corredor de ligação entre os aeroportos da Pampulha e Internacional Tancredo Neves, e ao Centro de Feiras e Exposições de Minas Gerais (Expominas). Para isso estão sendo construídos sete viadutos e trincheiras nas principais intercessões da avenida.



Na altura da Rua Rio Novo, um viaduto vai complementar o Complexo da Lagoinha, atendendo as interligações do Viaduto Leste e da Rua Célio de Castro com a Avenida Pedro II, além das ruas Bonfim, Itapecerica e Além Paraíba. Estas ligações ficam disponíveis também para o viaduto Oeste e para a Avenida Cristiano Machado. Na rua Formiga, próximo ao conjunto IAPI, os viadutos e soluções viárias em desnível irão promover a interligação da região do bairro São Cristóvão como a dos bairros Lagoinha e Bom Jesus. A nova Antônio Carlos também contará com 12 faixas de tráfego, sendo quatro exclusivas para ônibus, com intuito de melhorar o fluxo do transporte público e de carros, e ajudar a evitar congestionamentos. A duplicação ainda irá englobar um projeto paisagístico que prevê o plantio de 1,5 mil mudas de árvores ao longo da avenida que substituirão as que foram cortadas. O engenheiro Pedro Oliveira trabalha na obra e garante que apesar dos inconvenientes, o alargamento da avenida irá beneficiar os moradores e valorizar os bairros vizinhos “os investimentos na região tendem a crescer a valorização de imóveis comerciais e residenciais sob a área de influência da Avenida e vão permitir a atração e instalação de outros empreendimentos, gerando empregos diretos e indiretos durante e depois da construção da obra” explica Pedro.


O comerciante José Duarte afirma que o preço que os moradores e comerciantes do bairro Lagoinha tem pagado é alto. “É poeira, é barro, é barulho, o trânsito nem se fala, a BHTRANS vem aqui toda dia mudar a rota das ruas. Eu trabalho aqui há 39 anos e nunca imaginei que ficaria perdido no bairro Lagoinha, que conheço há anos. Algumas ruas desapareceram com a obra e outras viraram contra-mão, você fica sem saber por onde passar. Para sair daqui e ir para minha casa tenho que dar uma volta enorme”. Duarte conta que no início da obra a situação ainda era pior, pois com a demolição muitos bandidos e marginais de favelas de outras regiões da cidade apareceram no bairro em busca dos restos de construção das casas. Porém, segundo ele, com o aumento do policiamento destinado a obra à região voltou a ficar tranquila. Apesar dos transtornos causados pela construção o comerciante vê com bastante otimismo as mudanças. “Temos que ser pacientes porque para melhorar é preciso atrapalhar um pouco. Acredito que o nosso visual será bonito, as vendas também irão crescer e o bairro será mais visto comercialmente”. José lamenta a saída de muitos dos moradores nascidos e criados no bairro, com advento do progresso, e lembra com saudosismo os bons tempos da Lagoinha. “Daqui saíram vários jogadores para clubes mineiros, o Américo Pampolini, jogou no Cruzeiro e na Seleção Brasileira nas eliminatórias para a Copa de 58. O bairro também se tornou famoso por sua rica vida boemia, mas com o passar dos anos o bairro trocou a vida boemia pelo vício e o bandidismo. E isso afetou bastante os moradores. Espero que com as obras isso melhore”.

A pedagoga Neide Barbosa não está feliz com o alargamento da avenida, mas espera que elas tragam melhorias para o bairro. A pedagoga nasceu e foi criada na Lagoinha e hoje mora na casa que pertenceu aos seus pais. Ela conta que viveu ótimos momentos da sua infância e adolescência no bairro. “Eu e meus sete irmãos brincávamos frequentemente na rua, na época não havia perigo nenhum. Eu amo esse bairro, posso te garantir que em nenhum outro lugar eu teria essa relação de proximidade e amizade com os vizinhos, aqui me sinto em casa. O bairro mudou muito em nome do progresso, fazer o quê, a cidade cresceu e é preciso encontrar uma melhor forma para abrigar a população. Foi triste ver velhos moradores do bairro serem obrigados a sair de suas casas para desenvolvimento dessa obra, porém como não posso fazer nada para mudar essa situação, tento ser otimista e acreditar que essa obra irá trazer melhorias para a região”.

Neide afirma que na atual situação as obras têm trazido muita dor de cabeça, “a maioria dos comércios foram fechados, não temos um supermercado ou farmácia para abastecer a região, quando precisamos de algo em casa, temos que ir a um bairro vizinho comprar ou no centro da cidade. Os pontos de ônibus mudaram de lugar e agora precisamos caminhar uma longa distância entre um ponto e outro. Se chover então é lama pra todo lado, um Deus nos acuda, sem falar no barulho que não para. Mas agora até melhorou, no início da obra era ainda pior, a avenida ficou sem iluminação e os bandidos ficavam escondidos dentro dos escombros da construção, você estava esperando o ônibus e de repente era assaltada. Teve caso até de assassinato, eles deixaram o corpo no meio dos entulhos. Depois disso, eles melhoraram o policiamento da obra e agora colocaram seguranças que ficam 24 horas tomando conta da avenida”.

Para a dona de casa Helaine Boaventura o alargamento da avenida só trouxe benefícios a sua família. Helaine conta que teve que sair de sua casa para execução da obra, mas garante que a boa indenização valeu pelo transtorno. “Com a indenização pude comprar uma casa melhor para minha família. A prefeitura nós indenizou em um valor mais alto do que era o valor comercial do imóvel, devido à decadência do bairro os imóveis ficaram muito desvalorizados. Era muito difícil achar comprador para os imóveis da região. Agora estou morando numa casa melhor em um bairro próximo a Lagoinha. Acredito que com a finalização das obras, as casas que permaneceram na região vão ser mais valorizadas e irão passar a valer mais. Também acho que essa obra só vai trazer coisas boas para os moradores, é progresso batendo na nossa porta” afirma.

TRANSITANDO EM MEIO AO CAOS


Por Anne Morais e Fred La Rocca

Ronaldo Vieira desperta todos os dias às 5h30 da manhã, toma um café amargo “para acordar de verdade” e se arruma para ir trabalhar. Antes de sair de casa, dá um beijo na filha de oito anos e vai pegar o metrô, que o deixa no centro da cidade. Caminha até chegar ao trabalho, bate o cartão às 7h, ri com os colegas e fuma um cigarro da marca Derby. Dali até o final do expediente, às 16h, passa o dia entre homens uniformizados, capacetes amarelos, grades de plástico laranja, faixas indicativas, tratores, terra vermelha e pessoas sem saber aonde ir: ele trabalha nas obras da avenida Antônio Carlos.

Desde o início das reformas, Belo Horizonte se tornou um canteiro de obras. A construção para duplicação de uma das avenidas mais importantes da capital está na segunda fase. A primeira etapa, que já foi concluída, foi responsabilidade da Prefeitura Municipal. Este trecho vai da rua Viana do Castelo, no bairro São Francisco, até a rua Aporé, no bairro Aparecida e foi entregue em junho de 2007.

Com essas primeiras reformas, foram construídas alças que interligam a Antônio Carlos com o Anel Rodoviário e também às avenidas Bernardo Vasconcelos e Américo Vespúcio. Além das trincheiras, a Secretaria Municipal de Políticas Urbanas da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) confirma a instalação de uma nova iluminação, rede de drenagem e transferência de linhas de ônibus para as pistas de busway. A segunda etapa está a cargo do governo de Minas. O trecho que está sendo trabalhado se inicia na rua Operários, bairro Cachoeirinha, e vai até o Complexo da Lagoinha.

Além de Ronaldo, cerca de outros 350 homens estão envolvidos nas obras, entre eles pedreiros, chefes de obra, encarregados e motoristas. Isso sem contar com a parte administrativa, os arquitetos, engenheiros, assessores e outros funcionários do Consórcio Andrade Gutierrez/ Barbosa Mello, que é a empresa responsável pela segunda fase das obras. O total de empregados contratados para as construções, direta e indiretamente, previsto pela Secretária de Estado de Transporte e Obras Públicas (SETOP), é de 4,7 mil pessoas.


Esses trabalhadores são contratados para tornar real a conclusão da reforma, prometida pelo governo para março de 2010. Está prevista, além do alargamento de pistas, a construção de sete viadutos, com no mínimo duas faixas para cada sentido. Para que essa meta seja comprida, R$ 250 milhões estão sendo investidos, sendo R$ 190 milhões dos cofres estaduais e R$ 60 milhões dos municipais, incluindo o valor pago pelas desapropriações.


Trânsito transviado
O governo pretende beneficiar três milhões de pessoas com as obras de alargamento da avenida. Além de gerar empregos e valorizar o comércio e imóveis na região, o fluxo de carros terá melhor desenvolvimento, facilitando o deslocamento da população. As obras também vão trazer benefícios para os negócios e turismo na cidade. Com a conclusão, os aeroportos da Pampulha e de Confins e o Centro de Feiras e Exposições de Minas Gerais, o Expominas, terão acesso mais fácil para a população.
Mas, para alcançar esses benefícios, desde o início das obras várias mudanças aconteceram no trânsito da cidade. Algumas ruas dos bairros próximos viraram escape dos motoristas que não querem passar pelas construções, incomodando os moradores. O estreitamento de pistas paralisa o tráfego, provocando engarrafamentos. Mudanças nos caminhos dificultaram a orientação das pessoas. Alteração da localização dos pontos de ônibus também tem complicado a vida daqueles que necessitam dos coletivos. Ronaldo garante que quem anda a pé não reclama, mas o Coordenador do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários de Belo Horizonte e Região Metropolitana (STTRBH), Denílson Dornelles, afirma que essas mudanças não estão agradando aos pedestres.

“As alterações ao longo das obras fazem com que os rodoviários não consigam cumprir os horários, o que gera protestos”, diz Dornelles. Ele aponta outro aspecto negativo das obras, que são os engarrafamentos e o estresse gerado com toda a confusão. Afirma ainda que os motoristas têm visto muitos passageiros insatisfeitos com as mudanças e reclamando que chegam atrasados nos trabalhos e em outros compromissos.

Prova disso é o que relata o trocador de ônibus da linha 9801, Lucimar Ramos dos Reis. Segundo ele, todos os dias os passageiros reivindicam algo relativo às obras. “São inúmeros os problemas acarretados com a reforma da Antônio Carlos. Cada dia as paradas de ônibus estão em lugar diferente e na maioria das vezes não somos sequer avisados da mudança do ponto”, conta o trocador.

Por esse motivo, os coletivos fazem mais paradas do que o esperado, já que as pessoas não sabem onde são os verdadeiros pontos e, muitas vezes, nem o motorista. Os passageiros descem em qualquer lugar, onde for mais conveniente, atrasando a duração da viagem.

De acordo com o encarregado de obras Adão Pereira, todas as alterações no trânsito da avenida e no itinerário dos ônibus só são realizadas com a autorização da BHTrans. Todas as mudanças são discutidas e uma meta é imposta para cada encarregado e seus trabalhadores cumprirem.

Por outro lado, Dornelles confirma a fala do trocador Lucimar, afirmando que a BHTrans coloca faixas de avisos sem noticiar nada anteriormente. O coordenador acredita que uma providência capaz de melhorar o trânsito em meio às obras seria colocar estes avisos com antecedência, alertando à população e aos motoristas também, deixando, assim, todos atentos às mudanças.

De acordo com Lucimar, não são apenas as “paradas imaginárias” que atrapalham a vida daqueles que trafegam pela avenida. “No início das obras o itinerário chegava a atrasar cerca de 30 a 40 minutos e em dias de chuva, a situação complicava ainda mais. As pessoas ficavam nervosas porque o ônibus não passava e ainda enfrentávamos congestionamentos”, lembra o trocador.

Além disso, o trânsito vem sendo alterado constantemente. Muitas ruas que cortavam a avenida, como a rua Rio Novo, já não vão até a Antônio Carlos. Retornos são modificados todos os dias, o que confunde os motoristas com faixas pouco explicativas ao longo da via urbana. Lucimar conta que em um dia há duas pistas para trafegar, no outro, esta é tomada por escavadeiras e a pista é divida em duas mãos, piorando assim o engarrafamento.

Batalha entre poeira

A estudante de Química da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Daniela da Silveira Leite, 21 anos, é moradora de um tradicional edifício do bairro Lagoinha. Ela afirma que acorda a cada manhã sem a certeza de onde deve ir: “Cada dia o ponto de ônibus está em um lugar diferente!”, se espanta.

Além de enfrentar as obras no caminho de ida para faculdade, a jovem faz estágio no Conselho Regional de Química (CRQ), no Centro da capital e, mais uma vez, defronta as obras e seus engarrafamentos. Piorando a situação, o horário em que Daniela deixa a faculdade é o mesmo em que várias pessoas estão indo trabalhar na região central. “É comum chegar atrasada no estágio, já aconteceu diversas vezes. Meu chefe até entende, ele sabe que não é minha culpa, mas eu fico muito sem graça. Não tem como eu sair mais cedo das aulas e o trânsito é um terror”, afirma a estudante.

A estudante relata que já ficou cerca de uma hora dentro do ônibus para chegar ao serviço. Um percurso de menos de dez quilômetros, da universidade ao Centro, que antes, não tomava meia hora do seu dia. Ela comenta que para passar o tempo e não se aborrecer tanto costuma ler algum livro ou estudar para prova. Para tornar a vida de Daniela ainda mais difícil, ao voltar para casa, a jovem, pela terceira vez no dia, enfrenta a Antônio Carlos. “Me sinto abençoada. Estão testando a minha paciência”, ironiza.

Denílson Dornelles pensa que “há males que vem para o bem”. Ele acredita que agora a população está sofrendo com todas as mudanças e engarrafamentos, mas, em breve, irá desfrutar de uma avenida com estrutura bem planejada, pistas amplas, onde o trânsito vai fluir com tranqüilidade.

O trocador de ônibus Lucimar não vê a hora de acabarem as obras. Ele garante estar ansioso para ver a conclusão das reformas na avenida. Afirma que, não só pela maior tranqüilidade que vai ter no trabalho, mas também pelo resultado ser um progresso significativo para a cidade.

Daniela, que já pensou até em voltar a pé do trabalho, sabe que as obras são importantes para evolução, fazendo com que a capital ganhe mais destaque no resto do Brasil. Ela espera que as obras valorizem o apartamento da família no bairro Lagoinha e que toda a “batalha” que enfrenta todos os dias, garanta uma contratação no estágio. “Quem sabe...”, sonha.

Além disso, a estudante conta que espera chegar com mais rapidez ao Mineirão para ver o Brasil jogar em 2014. “Em breve teremos a Copa do Mundo e é bom saber que a cidade contará com uma via de acesso à Pampulha melhor estruturada.”, completa.

Para o pedreiro Ronaldo, a duplicação da avenida Antônio Carlos é apenas mais uma obra da qual ele já participou. A construção da casa própria, em Contagem, é mais significativa para ele, mas, claro, também se sente orgulhoso de ter feito parte de uma reforma que vai trazer melhorias para Belo Horizonte. “Outro dia, minha mulher foi em uma reunião na escola da minha filha. A professora contou que a pequena, quando perguntada sobre a profissão do pai, diz que ele constrói avenida”, conta, com um sorriso nos lábios e um cigarro entre os dedos.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Lagoinha Já

Pessoas boas, vamos agitar fazendo matérias trepidantes sobre as obras na Lagoinha. E lembrem-se: o dead line é já na próxima semana.