domingo, 25 de outubro de 2009

LAGOINHA DE MEMÓRIA É TRANSFIGURADA PELO PROGRESSO

A região que abriga uma importante parte da memória de Belo Horizonte dá lugar ao moderno projeto de duplicação da Avenida Antônio Carlos.



Texto e fotos Larissa Ferreira


A costureira Alda Gonçalves, 80 anos, lembra o dia em que se mudou para o Bairro Lagoinha há cinquenta anos com o marido José da Silva e os filhos Laura, de dois anos e Pedro, de quatro meses. “Nós viemos do interior de Minas com objetivo de melhorar de vida. Meu marido era marceneiro e o bairro nos agradou por ser próximo ao centro da cidade”. Alda conta que no início sofreu muito até se adaptar a cidade grande, e ressalta que as amizades que conquistou no bairro foram essenciais. “Aqui fiz amigos de verdade, os vizinhos eram hospitaleiros e sempre me estenderam a mão quando precisei, conheci muita gentee. Lembro da primeira vez que fui a um cinema, dia inesquecível. Depois, passei a ir sempre com meu marido José, as sessões de domingo no cine São Geraldo. A região era próspera, a Rua Itapecerica era movimentada e havia muitas casas comerciais, a Feira dos Produtores era disputadíssima. O bairro fervia de dia e à noite, e ainda alimentava a boemia da cidade. Os botequins próximos a Praça Vaz de Mello estavam sempre cheios e eram reduto de seresteiros, cantores e dançarinos. Nas famosas rodas de samba da Lagoinha saíram grandes sambas e grandes sambistas, alguns contam que até Noel Rosa veio conhecer o bairro”, ressalta a moradora.

Com o passar do tempo o cenário mudou e parte das residências e comércios da Praça Vaz de Mello deram lugar a viadutos, avenidas e ao metrô da cidade. A marginalidade tomou conta da região, e a violência aumentou com a chegada do tráfico. Apesar das mudanças dona Alda confessa que ama o bairro Lagoinha, e que entrou em depressão profunda depois que recebeu a notícia que teria de sair de sua casa para dar lugar ao alargamento da Avenida Antonio Carlos. “Fui parar até no hospital, o que estão fazendo com a gente é um absurdo, estão querendo dar fim no bairro” protesta Alda.

A costureira não é a única que terá de deixar sua casa, de acordo com a Superintendência de Desenvolvimento da Capital, Sudecap, mais de 240 imóveis serão desapropriados para execução da ampliação da Avenida Antônio Carlos. Cerca de 250 milhões foram investidos na obra, que é fruto da parceria entre o Governo do Estado de Minas Gerais e da Prefeitura de Belo Horizonte. As obras de duplicação tiveram início em janeiro deste ano, e de acordo com o governo do Estado, tem previsão de conclusão em março de 2010. A obra pretende melhorar o deslocamento da população da região Norte de Belo Horizonte, melhorar as ligações entre os bairros do entorno, criar um corredor de ligação entre os aeroportos da Pampulha e Internacional Tancredo Neves, e ao Centro de Feiras e Exposições de Minas Gerais (Expominas). Para isso estão sendo construídos sete viadutos e trincheiras nas principais intercessões da avenida.



Na altura da Rua Rio Novo, um viaduto vai complementar o Complexo da Lagoinha, atendendo as interligações do Viaduto Leste e da Rua Célio de Castro com a Avenida Pedro II, além das ruas Bonfim, Itapecerica e Além Paraíba. Estas ligações ficam disponíveis também para o viaduto Oeste e para a Avenida Cristiano Machado. Na rua Formiga, próximo ao conjunto IAPI, os viadutos e soluções viárias em desnível irão promover a interligação da região do bairro São Cristóvão como a dos bairros Lagoinha e Bom Jesus. A nova Antônio Carlos também contará com 12 faixas de tráfego, sendo quatro exclusivas para ônibus, com intuito de melhorar o fluxo do transporte público e de carros, e ajudar a evitar congestionamentos. A duplicação ainda irá englobar um projeto paisagístico que prevê o plantio de 1,5 mil mudas de árvores ao longo da avenida que substituirão as que foram cortadas. O engenheiro Pedro Oliveira trabalha na obra e garante que apesar dos inconvenientes, o alargamento da avenida irá beneficiar os moradores e valorizar os bairros vizinhos “os investimentos na região tendem a crescer a valorização de imóveis comerciais e residenciais sob a área de influência da Avenida e vão permitir a atração e instalação de outros empreendimentos, gerando empregos diretos e indiretos durante e depois da construção da obra” explica Pedro.


O comerciante José Duarte afirma que o preço que os moradores e comerciantes do bairro Lagoinha tem pagado é alto. “É poeira, é barro, é barulho, o trânsito nem se fala, a BHTRANS vem aqui toda dia mudar a rota das ruas. Eu trabalho aqui há 39 anos e nunca imaginei que ficaria perdido no bairro Lagoinha, que conheço há anos. Algumas ruas desapareceram com a obra e outras viraram contra-mão, você fica sem saber por onde passar. Para sair daqui e ir para minha casa tenho que dar uma volta enorme”. Duarte conta que no início da obra a situação ainda era pior, pois com a demolição muitos bandidos e marginais de favelas de outras regiões da cidade apareceram no bairro em busca dos restos de construção das casas. Porém, segundo ele, com o aumento do policiamento destinado a obra à região voltou a ficar tranquila. Apesar dos transtornos causados pela construção o comerciante vê com bastante otimismo as mudanças. “Temos que ser pacientes porque para melhorar é preciso atrapalhar um pouco. Acredito que o nosso visual será bonito, as vendas também irão crescer e o bairro será mais visto comercialmente”. José lamenta a saída de muitos dos moradores nascidos e criados no bairro, com advento do progresso, e lembra com saudosismo os bons tempos da Lagoinha. “Daqui saíram vários jogadores para clubes mineiros, o Américo Pampolini, jogou no Cruzeiro e na Seleção Brasileira nas eliminatórias para a Copa de 58. O bairro também se tornou famoso por sua rica vida boemia, mas com o passar dos anos o bairro trocou a vida boemia pelo vício e o bandidismo. E isso afetou bastante os moradores. Espero que com as obras isso melhore”.

A pedagoga Neide Barbosa não está feliz com o alargamento da avenida, mas espera que elas tragam melhorias para o bairro. A pedagoga nasceu e foi criada na Lagoinha e hoje mora na casa que pertenceu aos seus pais. Ela conta que viveu ótimos momentos da sua infância e adolescência no bairro. “Eu e meus sete irmãos brincávamos frequentemente na rua, na época não havia perigo nenhum. Eu amo esse bairro, posso te garantir que em nenhum outro lugar eu teria essa relação de proximidade e amizade com os vizinhos, aqui me sinto em casa. O bairro mudou muito em nome do progresso, fazer o quê, a cidade cresceu e é preciso encontrar uma melhor forma para abrigar a população. Foi triste ver velhos moradores do bairro serem obrigados a sair de suas casas para desenvolvimento dessa obra, porém como não posso fazer nada para mudar essa situação, tento ser otimista e acreditar que essa obra irá trazer melhorias para a região”.

Neide afirma que na atual situação as obras têm trazido muita dor de cabeça, “a maioria dos comércios foram fechados, não temos um supermercado ou farmácia para abastecer a região, quando precisamos de algo em casa, temos que ir a um bairro vizinho comprar ou no centro da cidade. Os pontos de ônibus mudaram de lugar e agora precisamos caminhar uma longa distância entre um ponto e outro. Se chover então é lama pra todo lado, um Deus nos acuda, sem falar no barulho que não para. Mas agora até melhorou, no início da obra era ainda pior, a avenida ficou sem iluminação e os bandidos ficavam escondidos dentro dos escombros da construção, você estava esperando o ônibus e de repente era assaltada. Teve caso até de assassinato, eles deixaram o corpo no meio dos entulhos. Depois disso, eles melhoraram o policiamento da obra e agora colocaram seguranças que ficam 24 horas tomando conta da avenida”.

Para a dona de casa Helaine Boaventura o alargamento da avenida só trouxe benefícios a sua família. Helaine conta que teve que sair de sua casa para execução da obra, mas garante que a boa indenização valeu pelo transtorno. “Com a indenização pude comprar uma casa melhor para minha família. A prefeitura nós indenizou em um valor mais alto do que era o valor comercial do imóvel, devido à decadência do bairro os imóveis ficaram muito desvalorizados. Era muito difícil achar comprador para os imóveis da região. Agora estou morando numa casa melhor em um bairro próximo a Lagoinha. Acredito que com a finalização das obras, as casas que permaneceram na região vão ser mais valorizadas e irão passar a valer mais. Também acho que essa obra só vai trazer coisas boas para os moradores, é progresso batendo na nossa porta” afirma.

Um comentário:

  1. Larissa, já está corrigido. Mande seu e-mail para que eu possa enviar o texto. De qualquer modo, levarei uma cópia impressa para você hoje.

    Nota total: 21/25.

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