quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Os hábitos que não se justificam








Felipe Chimicatti
Tarsila Costa



O corpo humano suporta faixas entre 80 e 85 decibéis. Acima disso, cinco pontos que sejam, já é o suficiente para dobrar a pressão sobre os tímpanos. Estima-se, ainda, que um engarrafamento rigoroso no horário de pico atinja facilmente 90 db. Pensando, no entanto, para além de um engarrafamento rigoroso, mas sim nele somado a uma obra na proporção de um investimento de R$ 250 milhões avultado a uma geração de emprego na ordem de 4. 700 cargos diretos e indiretos, os decibéis sem dúvida aumentarão bastante.

Imagine a parir desses dados a proporção do maquinário da empreitada que, além de provocar homéricos engarrafamentos, ainda preserva a estrutura maquinística operante durante todo o dia, incluindo parte da noite. Para os operários é sem dúvida uma oportunidade de trabalho ligada a insalubre condição do trabalho braçal no Brasil. A geração de emprego é sim fundamental, mas infelizmente abarca somente os necessitados que esmeram suas vidas por empregos forçosos e desgastantes.

A necessidade de uma obra dessa envergadura, de acordo com a Secretária de Transporte de Minas Gerias, é um aumento da capacidade do fluxo de veículos no trecho da Avenida Antônio Carlos, no bairro da Lagoinha. Serão, ainda segundo a própria Secretária, edificados sete viadutos, dobrada a largura da pista de 25 metros para 52, serão implantadas 1.500 árvores, desapropriados 240 imóveis (totalizando quase metade dos gastos da obra em desapropriações: R$ 111 milhões) e serão implantas seis pistas, ao invés das três que hoje vigoram. Consta também que o fluxo de veículos diários na avenida atingirá o número de 85 mil. Tudo isso nos 2,2 quilômetros propostos no projeto da faraônica obra do Governo do Estado em parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte.

É sem dúvida uma obra necessária, pois, quem vive em Belo Horizonte hoje sabe da necessidade de se dinamizar o trânsito. Os engarrafamentos são constantes na cidade, sobretudo nos horários específicos de pico. Agora, uma pergunta que poucas pessoas se fazem e que é de fundamental importância para entender os gastos públicos e a condição da vida em sociedade é: Por que Belo Horizonte, assim como os demais grandes centros urbanos, está sobrecarregada de automóveis? A resposta logicamente é multifatorial, mas, como se sabe, no país da desigualdade social, o carro é um elemento fundamental de distinção social. Ter um carro extrapola para muito longe a sua atribuição funcional de deslocamento. Motivo que aponta para isso são a quantidade onerosa de acessórios que vêm atrelados aos carros hoje, muitas vezes acessórios estes que sequer são usados. Ou, outro indicativo, a quantidade exorbitante de lojas destinadas a acessórios automotivos, tais quais películas proibidas pela legislação automotiva, sons com amplitudes sonoras abusivamente agressivas ao corpo ou luzes que brilham insistentemente pela noite, querendo ser vistas. Paulo Vidal, 23 anos, admite gostar dos carros e de suas particularidades: “A importância de um carro pra mim é muito maior do que a necessidade de se deslocar; uso ele para várias outras coisas, inclusive para conseguir bons empregos e belas namoradas”, pontua. Lucia Valadares, 19, diz ser fascinada por homens que tem automóveis de luxo. Para ela os carros de luxo fazem uma enorme diferença na hora de sair à noite: “o conforto hoje é essencial à vida, e quem não gosta conforto”? Quando indagada a respeito da possibilidade de sair nessa mesma noite com um carro velho que, no entanto, deslocava-se da mesma maneira, ela riu e se posicionou contrariada.

E a produção parece só aumentar

A ANFAVEA (Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores) registrou para Minas Gerais uma quantidade equivalente a 49.839 veículos novos licenciados em 2008, sendo eles automóveis comerciais leves: um aumento de pouco mais de 10.000 licenciamentos em um ano. Para a Federação, um aumento na ordem 100.000 entre 2007 e 2008. Ou seja, a cada ano que passa o número de licenciamentos tem aumentado. Ainda se espera para 2010 um novo recorde de licenciamentos, superando o ano de 2009. .

Inácio Santos, 48, acredita na necessidade de se ter um carro. Trata-se, para ele, de uma conquista: “Quando eu era garoto sempre sonhei em ter meu próprio carro. Hoje como tenho uma condição melhor que a do meu pai, posso proporcionar esse prazer para os meus filhos: trata-se de uma grande conquista”, explica. Inácio mora com a mulher e com os dois filhos, todos aptos a dirigir. A sua casa existem exatamente quatro veículos, um para cada morador. A relação com o automóvel é de posse, pois ele não admiti que os filhos usem seu carro: “cada um tem seu próprio carro; é uma condição em casa. Não há necessidade de troca de veículos”. Ele possui, obviamente, um carro de luxo, na medida em que os filhos possuem carros populares.

Em uma visita guiada a uma concessionária de veículos no bairro Santo Antônio, Daniel Resende Quintana, vendedor de veículos, afirmou terem os compradores querenças particulares. Na maior parte das vezes, segundo ele, o consumidor busca o status que o automóvel pode proporcionar. “As escolhas pouco tem a ver com a necessidade de se ter um carro; todos os carros daqui andam da mesma forma”, salienta.

Caso os carros fossem usados do ponto de vista funcional – deslocamento – provavelmente o número de veículos seria menor. Na casa de Inácio, por exemplo, os quatro veículos poderiam dar lugar a dois, usados em momentos de necessidade. Gastaria-se menos gasolina e menos tempo para atravessar a cidade. Evitariam-se, ainda, alguns impropérios das faraônicas obras públicas que se constitui por uma necessidade que surge de traços culturais mesquinhos.

Regina Aguiar, psicanalista, afirma que essa necessidade de auto-afirmação do eu sobre os demais esta ligada ao narcisismo corruptor de nossa sociedade. Para ele, o carro nada mais é do que uma necessidade de se afirmar frente ao outro através de um objeto. Caso as relações simbólicas inexistissem, o carro se destituiria de sua função simbólica narcisística e se tornaria, novamente, somente um objeto funcional: “O processo de alteridade em sociedade, ou seja - o exergar-se no outro - é o que motiva a valoração do carro como um objeto de consumo. Se nessa mesma sociedade existisse uma série de serviços que suprissem totalmente a necessidade de um carro, a relação com o automóvel seria outra”, coloca. Certamente, caso houvesse em Minas Gerais uma estrutura impecável de transporte público, a relação funcional com o carro mudaria. O que não justifica totalmente, pois, na Alemanha, por exemplo, o transporte público é excelente e, mesmo assim, grandes marcas automotivas advêm de lá. Existe obviamente um fascínio do ser humano pela automação, pela mecânica veicular - prova disto são as competições de fórmula um que gastam milhões de dólares por um motor que ao fim da corrida estará completamente destruído. No entanto, a questão social dos veículos no Brasil alavanca demasiadamente a suas aquisições: isso é certo.

E, enquanto as pessoas se esbaldam em comprar veículos – logicamente aqueles que possuem recursos -, os demais vão sofrendo os impactos da vida contemporânea em sociedade. Seja no elevado número de decibéis do trafego, seja nas obras faraônicas que a primeira vista parecem empreendimentos sólidos e bem estruturados, mas, ao olhar detido se mostram enquanto ninharia de uma sociedade acostumada a se supra-valorizar. E a Antônio Carlos está em obras para melhor lhe atender, acredite. É o som das obras que não deixa mentir...

2 comentários:

  1. Não estou entendendo. A matéria é só isto?

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  2. Pessoas boas, enviem um e-mail para que eu possa lhes entregar o texto corrigido. De qualquer modo, levarei uma cópia comentada hoje.

    Nota final: 19/25.

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